Mt 26, 57-75; 27, 1-52
"Os que haviam prendido Jesus levaram-no ao Sumo Sacerdote Caifás, onde os escribas e os anciões estavam reunidos. Pedro seguiu-o de longe até o pátio do Sumo Sacerdote, entrou e sentou-se junto aos criados para ver o fim. Ora, os chefes dos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam um falso testemunho contra Jesus, a fim de matá-lo; mas nada encontraram, embora se apresentassem muitas falsas testemunhas. Por fim, se apresentaram duas que afirmaram: 'Este homem declarou: 'Posso destruir o templo de Deus e edificá-lo depois de três dias'. Levantando-se então o Sumo Sacerdote, disse-lhe: 'Nada respondes? O que testemunham estes contra ti?' Jesus, porém, ficou calado. E o Sumo Sacerdote lhe disse: 'Eu te conjuro pelo Deus Vivo que nos declares se tu és o Messias, o Filho de Deus'. Jesus respondeu: 'Tu o disseste. Aliás, Eu vos digo que doravante vereis o Filho do Homem sentado à direita do Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu.' O Sumo Sacerdote então rasgou Suas vestes, exclamando: 'Blasfemou! Que necessidade temos ainda de testemunhas? Vede: vós ouvistes neste instante a blasfêmia! Que pensais?' Eles responderam: 'É réu de morte!'"
Na verdade, quando prenderam Jesus, haviam planejado uma outra situação: armar uma emboscada para matá-lo. Judas, porém, interveio prometendo levar Jesus até a casa de Caifás. A sua traição foi levar Jesus, entregando-o ao Sumo Sacerdote em troca das moedas de prata. Ele não imaginava ou não acreditava que Jesus fosse terminar na crucificação, pois sabia de Sua capacidade e que era bem informado politicamente. Acreditava, inclusive, que se pressionado Jesus poderia liderar um levante contra o domínio romano. Na verdade quem pensava mal de Cristo era Caifás, embora Judas já soubesse o que ocorreria, como vimos em Mc 10,33: "Eis que estamos subindo para Jerusalém, e o Filho do Homem será entregue aos chefes dos sacerdotes e aos escribas; eles o condenarão à morte e o entregarão aos gentios1,…". E ouvira também a advertência de Jesus, pouco antes da traição (v. 24): "…mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem for entregue! Melhor seria para aquele homem não ter nascido!"
Mas Judas só se deu conta da real situação, ao chegarem à casa de Caifás, quando o Sinédrio começou a inquirir e maltratar Cristo, a provocá-lo procurando incriminá-lo. Estes, porém, não tinham poder para condenar ninguém à morte. Os romanos tinham cassado ao Sinédrio o direito de vida e de morte. Mesmo para sentenciá-lo, era necessário que Ele confessasse algum crime ou houvesse depoimentos convincentes de testemunhas. Por isso é que Judas estava tranquilo, ao entregar Jesus, aquele que falava nas sinagogas e nada achavam contra Ele. Era sábio, perfeito.
Judas não tinha culpa direta no desdobramento político do fato. Ele não imaginava que Jesus fosse parar no palácio de Pilatos. "Tanto na Judéia como nas demais províncias do Império, Roma reservava para si o direito de impor a pena de morte, os judeus tinham de recorrer ao governador para obterem a confirmação e a execução da sentença por eles pronunciada."
"Pedro estava sentado fora, no pátio. Aproximou-se dele uma criada, dizendo: 'Também tu estavas com Jesus, o Galileu!' Mas ele negou diante de todos, dizendo: 'Não sei o que dizes.'"
Pedro só achava que não precisava interferir naquela situação, estava certo de que eles nada provariam contra Jesus. Ele deve ter se perguntado: Por que vou me entregar aqui? Não tenho como impedir que o inquiram. É melhor falar que não o conheço.
"Saindo para o pórtico, uma outra criada viu-o e disse aos que ali estavam: 'Ele estava com Jesus, o Nazareno'. Pela segunda vez Pedro negou em juramento: 'Eu nem conheço tal homem'. Pouco depois, os que ali estavam aproximaram-se de Pedro e disseram: 'Sim, tu és um deles, teu modo de falar te denuncia'. Pedro então começou a praguejar e a jurar, dizendo: 'Não conheço o homem'. E imediatamente um galo cantou. Pedro recordou-se então do que Jesus lhe dissera: 'Antes que o galo cante, amanhã tu me negarás'. Saindo dali, ele chorou amargamente."
A negativa de Pedro não era política. Como também não fora a traição de Judas. Eles acreditavam que Jesus sairia bem daquela situação, afinal Caifás e o próprio Sinédrio não tinham autoridade para condená-lo à morte e nem teriam provas que pudessem levá-lo a julgamento perante o governador. Pedro não se dava conta de que Jesus, por Sua divindade, sabia do que se passava do lado de fora, teve receio de que fosse também entregue, além de achar normal sua atitude e que Jesus estaria de volta, sem tomar conhecimento do que dissera no pátio.
"Chegada a manhã, todos os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo convocaram um conselho contra Jesus, a fim de levá-lo à morte. Assim, amarrando-o, levaram-no e entregaram-no a Pilatos, o governador." Fizeram isto baseando-se numa questão de ordem religiosa. Até aquele momento sabia-se que Pilatos não teria como condená-lo à morte, por falta de provas, e que também não tinha esta intenção.
"Então Judas, que o entregara, vendo que Jesus fora condenado, sentiu remorsos e veio devolver aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos as trinta moedas de prata, dizendo: 'Pequei, entregando um sangue inocente.' Mas estes responderam: 'Que temos nós com isso? O problema é teu!' Ele, atirando as moedas ao Templo, retirou-se e foi se enforcar." Judas percebeu o que tinha feito e que não tinha volta. E tornou-se vítima, também. Não pensava vê-lo condenado por Pilatos.
"Jesus foi posto diante do governador que o interrogou: 'És tu o rei dos Judeus?' Jesus declarou: 'Tu o dizes'. E ao ser acusado pelos chefes dos sacerdotes e anciãos, nada respondeu. Perguntou-lhe Pilatos: 'Não estás ouvindo de quanta coisa te acusam?' Mas ele não lhe respondeu sequer uma palavra, de tal sorte que o governador ficou muito impressionado. Por ocasião da Festa, era costume o governador soltar um preso que a multidão desejava. Nesta ocasião, tinham eles um preso famoso chamado Jesus Barrabás." Aquele prisioneiro chamava-se também Jesus. Portanto, eram dois Jesus presentes.
"Como estivessem reunidos, Pilatos lhes disse: 'Quem quereis que eu vos solte: Jesus Barrabás ou Jesus, que chamam de Messias?' Ele sabia que eles o haviam entregue por inveja. (…) Responderam: 'Barrabás'. Pilatos perguntou: 'Que farei de Jesus, que chamam de Messias?' Todos responderam: 'Seja crucificado!' Pilatos insistiu: 'Mas que mal ele fez?' Eles, porém, gritavam ainda mais forte: 'Seja crucificado!' Vendo Pilatos que nada conseguia, mas, ao contrário, a desordem aumentava, pegou água e, lavando as mãos, na presença da multidão, disse: 'Estou inocente desse sangue. A responsabilidade é vossa'. A isso todo o povo respondeu: 'O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos'. Então soltou-lhes Jesus Barrabás. Quanto a Jesus, depois de açoitá-lo, entregou-o para que fosse crucificado."
Diante de Pilatos, isto é, do poder humano, terreno, estavam a Igreja humana e a divina. Esta representada por Jesus, o Cristo, e a Igreja humana por Jesus Barrabás. E a humanidade, perante tal poder, impelida a uma decisão, escolheu matar a Igreja divina. Por isso é que ali estavam dois Jesus. É como se a humanidade dissesse: Quero que solte a Igreja humana porque, mesmo sendo ela passível de erro, é nossa; quero, portanto, que mate a Igreja divina.
O pecado da humanidade não foi propriamente ter crucificado Jesus, porque isto Ele próprio procurou. Seu pecado foi ter usado do livre-arbítrio, do querer, para matar a Igreja divina. Por isso Jesus disse a João, no Calvário: "Eis aí a tua mãe". Naquele momento Jesus entregava a João a Igreja divina.
Resolvemos matar a Igreja divina, como se isto fosse possível. A humanidade fez um julgamento errado. Pilatos temeu isso, quando sua esposa lhe mandou dizer: "Não te envolvas com este justo, porque muito sofri hoje em sonho por causa dele."
Isto é muito sério, é uma luta entre o humano e o divino, e foi dado ganho de causa ao humano. Pilatos, por sua vez, chegou a um ponto que nada conseguia fazer, não teve força para impedir, rendeu-se. O seu pecado foi não ter resistido, foi ter deixado que acontecesse.
Os grandes protagonistas desse pecado são o livre-arbítrio e a omissão do poderio humano. O primeiro por matar a Igreja divina, o segundo por permitir que isto acontecesse.
"Em seguida os soldados do governador levaram Jesus para o Pretório e rodearam-no com todo o pelotão. Despiram-no e colocaram-lhe um manto escarlate. Depois, tecendo uma coroa de espinhos, puseram-na em Sua cabeça e um caniço na mão direita. E, ajoelhando-se diante dele, diziam-lhe com escárnio: 'Salve, ó rei dos judeus!' E cuspindo nele, tomaram o caniço e batiam-lhe na cabeça. Depois de escarnecerem dele, tiraram-lhe o manto escarlate e tornaram a vesti-lo com as Suas próprias vestes. Em seguida levaram-no para o crucificar."
Vejamos como funciona o livre-arbítrio: depois que a humanidade escolheu matar a Igreja divina, resolveu abusar do divino. Quando os homens viram que a Igreja humana havia vencido, aquela que tropeça, cai, levanta e prossegue, aquela que foi edificada sobre a pedra de Céfas, disseram: Vamos agora tripudiar sobre a Igreja divina.
No caminho do Calvário a Igreja humana se vê em outro Pedro, que é intimado a ajudar Jesus a carregar a cruz: Simão Cirineu. Pedro também se chama Simão.
Sabemos que Jesus foi crucificado entre dois bandidos. O que estava à Sua direita representava a Igreja divina e o da esquerda a Igreja humana. Jesus, o Espírito divino, estava crucificado entre as duas Igrejas.
A Igreja humana já havia negado Jesus com tudo aquilo que Ele havia construído sobre Pedro (Céfas). Quanto à Igreja divina, o bandido à direita, Jesus sabia que na última hora se manifestaria. Foi quando disse: "Jesus, lembra-te de mim, quando estiveres no Paraíso!". É como dissesse: Senhor, tua humanidade divina, quando voltar a Deus, lembra que deixaste na terra alguma coisa divina.
O Espírito de Deus estava crucificado pelos nossos dois erros. "Nisso, o véu do Templo se rasgou em duas partes, de cima a baixo." O Templo significava a humanidade de Deus, e naquele momento da morte de Cristo houve uma cisão entre a Igreja divina e a humana, por isso que se diz que o véu do Templo (ou do Santuário) se rasgou de alto a baixo. Foi o momento da morte do Espírito para a humanidade. Sabemos que as portas do Inferno não prevalecerão contra a Igreja humana, mas ela continua caminhando separada da Igreja divina. Portanto, naquele momento, na cruz, à Sua direita, a Igreja divina quis dizer a Jesus: Não te esqueças que na terra deixaste algo divino.
Dando continuidade, sabemos que houve o sepultamento de Jesus e depois a Sua ressurreição. E foi por ela que se cumpriu aquilo que Jesus havia dito: "Posso destruir o templo de Deus e edificá-lo depois de três dias."
Para os judeus a Igreja divina era representada pela tradição judaica que vivenciavam. Eles não aceitavam os ensinamentos de Jesus, ou seja, a doutrina Cristã; condenavam, portanto, seu discernimento sobre as coisas de Deus. Seria a condenação pela religiosidade, o que não deu certo, não conseguiram condená-lo por isso. Procuraram, então, outro meio de o condenar, ou seja, eliminar aquela Igreja divina, que não estava muito de acordo com o que praticavam.
Os judeus sabiam que os romanos tinham um certo temor por aquilo que diziam sobre a existência de pessoas possuídas pelo diabo e que faziam coisas inexplicáveis. Por isso passaram para os romanos a ideia de que Jesus estava tramando contra o governo, por ter dito que destruiria o templo de pedra e o edificaria depois de três dias. E ainda diziam que Jesus possivelmente pudesse fazer isso pelo poder demoníaco. Foi então taxado de agitador, estaria ameaçando o governo de Pilatos, que foi pressionado a aceitar a denúncia contra Jesus. Conseguiram assim condená-lo por questão política. Desta forma, portanto, os judeus acabaram condenando a Igreja divina, aquela que os incomodava, e ficaram com a Igreja humana.
Jesus foi condenado para que o plano de Deus se cumprisse. Nesse momento a humanidade também manifesta o seu livre-arbítrio e a sua omissão, onde o pecado do homem se revela.
Conhecemos aqui um pouco do poder, da inteligência e do discernimento do Cristo. Esta é uma pequena parte de Sua biografia.
1 Gentio: entre os hebreus, o estrangeiro ou aquele que não professa a religião judaica; para os cristãos, aquele que professa o paganismo, pagão (aquele que não foi batizado; adepto de qualquer religião que não adota o batismo ou adota o politeísmo – crença em mais de um deus); idólatra (aquele que adora ídolos). São Paulo foi o apóstolo dos gentios. (dicionário Houaiss).
Referência: LOPES, Raymundo. O Poder Humano: Mt 26, 57-75; 27, 1-52. In: LEMBI, Francisco (Org.). O Código Jesus. Belo Horizonte: Magnificat, 2007. p. 204.