A “arca da fraternidade” e a caridade cristã

Catequese

O amor ao próximo não pode estar fundamentado senão no amor a Deus. E sem referência ao Deus verdadeiro, que só pode ser amado dentro da Arca da Salvação da Igreja, a fraternidade não é mais que uma palavra oca por trás da qual se esconde o ódio a Deus e ao próximo.

 

Adelante la Fé, 07 de fevereiro de 2019.

Roberto De Mattei.

[https://adelantelafe.com/el-arca-de-la-fraternidad-y-la-caridad-cristiana/].

Tradução. Bruno Braga.

O logotipo da viagem do Papa Francisco aos Emirados Árabes é uma pomba com um ramo de oliveira. Segundo a explicação do Pontífice, “É uma imagem que recorda a história do dilúvio universal, presente em diferentes tradições religiosas. De acordo com a narrativa bíblica, para preservar a humanidade da destruição, Deus pede a Noé que entre na arca com a sua família. Também hoje, em nome de Deus, para salvaguardar a paz, precisamos entrar juntos como uma mesma família em uma arca que possa navegar pelos mares tormentosos do mundo: a arca da fraternidade”.

Entendida desta forma, a Arca de Noé é uma arca de fraternidade, na qual convivem homens de diversas religiões, porque o próprio Deus quis que houvesse pluralismo religioso. De fato, o Papa acrescentou: “O pluralismo e a diversidade de religião, cor, sexo, raça e língua são expressão de uma sábia vontade divina com a qual Deus criou os seres humanos”.

Essa interpretação parece inverter a doutrina do Evangelho. Na realidade, a Arca que Noé construiu por ordem de Deus antes do Dilúvio, e como refúgio para ele, sua família e toda espécie de animal (Gn. 6, 13-22), São Paulo apresenta como refúgio de salvação para os que creem e sinal de perdição para o mundo (Hb. 11, 7).

Por isso, a Tradição católica sempre viu na Arca de Noé um símbolo da Igreja, fora da qual não há salvação (cf. Santo Ambrósio, De Noe et Arca, 6, 9, em Migne, “Patrologia latina”, vol. 14, col. 368-374, e Hugo von Hurter, De Arca Noe Ecclesiae typo Patrum sententiae, en Sanctorum Patrum opuscula selecta, III, Insbruck 1868, pp. 217-233). Por esse motivo, a Igreja tem a missão de conservar e defender a Fé católica.

E mais. Nosso Senhor disse aos Apóstolos: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc. 16, 15-16). E o Apóstolo dos Gentios confirma: “Há um só Senhor, uma só Fé, um só batismo” (Ef. 4, 5).

É dogma de fé proclamado pelo IV Concílio de Latrão, sob Inocêncio III, que “uma só é a Igreja universal dos fiéis, fora da qual absolutamente ninguém se salva”.

O princípio nulla salus extra Ecclesiam não exclui da salvação quem está fora dela [Igreja] por ignorância invencível, mas que esteja direcionado a ela pelo menos por um desejo implícito. Esses estão privados da garantia da salvação e dos meios para alcançá-la.

Essa verdade foi confirmada, entre outros, por Gregório XVI (Mirari vos, de 15 de agosto de 1832); Pio IX (Singulari quidem, de 17 de março de 1856, aos Bispos da Áustria) e Leão XIII (Satis cognitum, de 29 de junho de 1896). Na Encíclica Mortalium animus, de 06 de janeiro de 1928, Pio XI explica que no âmbito da Fé não se pode alcançar a unidade fraterna do mesmo modo que no campo político.

Subordinar a verdade da Fé à fraternidade equivale a professar o indiferentismo em matéria de religião, constantemente condenado pelo Magistério universal da Igreja.

Por outro lado, a fraternidade associada à liberdade e à igualdade é um dos princípios fundantes da Revolução Francesa. O trilema revolucionário se reduz a um sistema de relações em que não existe um princípio transcendente como referência, ao mesmo tempo em que esses três valores supremos, considerados individualmente como absolutos, entram necessariamente em conflito entre si.

Com a ausência de um fim superior, a fraternidade, longe de constituir um elemento aglutinador da sociedade, converte-se em causa de desagregação. Se em nome da fraternidade os homens são obrigados a conviver sem um fim que dê sentido ao seu sentimento de afinidade, a Arca converte-se em cárcere e a fraternidade, verbalmente imposta, está destinada à inversão, transformando-se em uma força centrífuga sujeita à fragmentação e ao caos.

A mera afirmação da convivência fraterna não é suficiente para justificar o sacrifício, que é a mais alta expressão de amor ao próximo. Isto se deve ao fato de que o sacrifício supõe renunciar um bem real em nome de bens mais elevados, enquanto a fraternidade não propõe nenhum bem superior que seja digno de sacrifício além da convivência, que não é um valor, mas um fato carente de significado. Por trás do mito da fraternidade se esconde na realidade o mais profundo egoísmo social, e supõe a antítese da caridade cristã, única base verdadeira das relações sociais entre os homens.

Além disso, a fraternidade é um dogma da Maçonaria, cuja ideologia e ritos são uma paródia da doutrina e da liturgia cristãs. Não por acaso, a Grande Loja da Espanha agradeceu ao Papa Francisco por sua mensagem do último 25 de dezembro com o seguinte tuíte: “Todos os maçons do mundo se unem ao pedido do Papa pela ‘fraternidade entre pessoas de diversas religiões'” [1].

“Em sua mensagem de Natal, desde a sacada central do Vaticano – escrevem os maçons do Grande Oriente da Espanha -, o Papa Francisco pediu o triunfo da fraternidade universal entre todos os seres humanos: ‘O meu desejo de Feliz Natal é um desejo de fraternidade. Fraternidade entre pessoas de todas as nações e culturas. Fraternidade entre pessoas de ideias diferentes, mas capazes de se respeitarem e de escutar os demais. Fraternidade entre pessoas de diferentes religiões” […] “As palavras do Papa demonstram quão longe está a atual Igreja do conteúdo da Humanum genus (1884), a última grande condenação católica contra a Maçonaria”.

O certo é que a Maçonaria continua sob a condenação da Igreja, embora nos postos mais altos da hierarquia exista quem aparentemente abrace as suas ideias. Mas o ensinamento do Divino Mestre segue ressoando nos corações dos fiéis: o amor ao próximo não pode estar fundamentado senão no amor a Deus. E sem referência ao Deus verdadeiro, que só pode ser amado dentro da Arca da Salvação da Igreja, a fraternidade não é mais que uma palavra oca por trás da qual se esconde o ódio a Deus e ao próximo.

NOTAS.

[1]. Nota do tradutor. Cf. “De ‘todos os maçons do mundo’: ‘Obrigado, Francisco’” [https://quase2.obramissionaria.com.br/todos-macons-obrigado-francisco/].

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