O filósofo Josef Seifert responde a nova interpretação do padre Chiodi sobre a Humanae Vitae
Infovaticana, 11 de janeiro de 2018.
Tradução. Bruno Braga.
“A posição de Chiodi constitui uma defesa inequívoca da ética consequencialista e proporcionalista que a Humanae Vitae atacou”, assegura em comentários publicados no OnePeterFive.
O site OnePeterFive publicou alguns dos comentários do filósofo austríaco Josef Seifert sobre as declarações de Maurizio Chiodi, novo membro da Pontifícia Academia para a Vida, a respeito da contracepção [1].
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O professor sacerdote Maurizio Chiodi, no dia 14 de dezembro de 2017, na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, proferiu um discurso intitulado “Reinterpretar a Humanae Vitae (1968) à luz da Amoris Laetitia (2016)”. Ele é um dos novos membros da Pontifícia Academia para a Vida, fundada pelo Papa João Paulo II com o objetivo de explicar e defender as verdades ensinadas pela Igreja sobre a vida humana na Humanae Vitae e em outros documentos. Porém, Chiodi recusa abertamente o ensinamento moral fundamental da Igreja a respeito da contracepção, apresentado de forma admirável na Humanae Vitae, a saber: que existe um maravilhoso e profundo vínculo entre o ato conjugal amoroso e a procriação, e, por isso, qualquer ação anticonceptiva que separe o significado unitivo do procriador no ato conjugal é, em qualquer situação, intrinsecamente mau. Mas, além de negar esse ensinamento, Chiodi afirma que a contracepção é inclusive obrigatória em determinadas circunstâncias. Na sua opinião, uma progenitorialidade responsável pode obrigar um matrimônio a utilizar métodos anticonceptivos artificiais.
Isto sugere, por parte do padre Chiodi, uma possível resposta a dois dos famosos cinco dubia apresentados por quatro Cardeais. A resposta implícita de Chiodi poderia ser formulada assim: “A partir de agora, não existem, sob qualquer circunstância, ações humanas que sejam intrinsecamente más”.
Chiodi se refere à Exortação Apostólica do Papa Francisco sobre a família, Amoris Laetitia, como um novo modelo e paradigma da teologia moral que elimina a noção (expressa de forma solene e magisterial na Humanae Vitae, Familiaris Consortio e Veritatis Splendor) de que em qualquer lugar e momento a contracepção é um ato humano intrinsecamente mau. Chiodi acrescenta, em uma contradição radical e direta com relação ao ensinamento do Magistério da Igreja na Humanae Vitae, que existem “circunstâncias – e faço referência à Amoris Laetitia, capítulo 8 – que, para efeito de responsabilidade, requerem a contracepção”. Quando “os métodos naturais são impossíveis ou não factíveis, é necessário encontrar outras formas de responsabilidade”, argumentou o padre Chiodi.
A posição de Chiodi é uma inequívoca defesa da ética consequencialista e proporcionalista que a Humanae Vitae atacou desde o primeiro dia de sua publicação, mostrando-se não só em desacordo com o ensinamento de que a contracepção é intrinsecamente má, mas declarando que absolutamente não existem atos intrinsecamente maus; e que qualquer ação humana está determinada em seu caráter moral somente pela proporção entre os seus efeitos bons e os seus efeitos maus. Tal opinião foi clara e inequivocamente refutada e rejeitada pela Veritatis Splendor.
Chiodi também propõe algumas posições filosóficas e éticas gerais que são profundamente errôneas e totalmente destrutivas, não só no que tange ao ensinamento moral da Igreja Católica, senão também à essência da moralidade e, de fato, de qualquer verdade: 1). um relativismo histórico; 2). uma teoria da verdade consensual; 3). a ética da situação.
1 – Afirmando que as normas da lei natural “conservam o bom e instruem no caminho do bem, mas são históricas”, Chiodi nega a verdade e a validade eterna das normas que nos dizem que a contracepção e muitos outros atos são intrinsecamente maus, de forma que não estão relacionadas com ou dependem de opiniões que mudam historicamente. É como se a Humanae Vitae tivesse sido verdade em 1968, mas já não é em 2018.
2 – Ademais. Chiodi, embora não declare abertamente, sugere de forma muito clara que o fato de uma grande porcentagem de matrimônios católicos utilizar a contracepção e não aceitar as normas, justifica o silêncio sobre estas, ou inclusive demonstra que essas normas já não são válidas. Como se o consenso da maioria determinasse a verdade. Com o mesmo direito, poderia declarar que estaríamos justificados se já não falássemos do primeiro mandamento, amar a Deus sobre todas as coisas, ou até que essa norma já não é válida, pois a maioria dos católicos não a cumpre; ou que mandamento que proíbe dar falso testemunho contra o próximo já não é mais válido, porque a maioria das pessoas mente e calunia.
3 – Declarando que existem algumas “circunstâncias – e faço referência à Amoris Laetitia, capítulo 8 – que, para efeito de responsabilidade, requerem a contracepção”, Chiodi está na verdade negando diretamente a imoralidade intrínseca abordada pelo ensinamento magisterial de Paulo VI e de seus predecessores e sucessores, pois, segundo ele, o que seria moralmente bom ou mau na transmissão da vida humana dependeria totalmente das situações concretas. Ao ampliar os limites da dita ética da contracepção puramente teleológica ou consequencialista, Chiodi sugere que, em geral, não existem atos intrinsecamente maus e que a qualidade moral de uma ação humana não pode estar determinada universalmente “por uma regra geral”, mas depende da proporção entre as consequências boas e más das ações humanas em situações concretas. Entendida desta forma generalizada, a ética da situação defendida pelo padre Chiodi nega também a imoralidade intrínseca do aborto e da eutanásia, e de muitas outras ações enumeradas na Veritatis Splendor como atos moralmente errôneos sob qualquer circunstância e em todas as situações. É importante observar que essa opinião não tem nada a ver com a falta de consciência, a falta de conhecimento ético ou a imputabilidade pessoal invocada de forma tão frequente por Rocco Buttiglione no debate atual. Não, Chiodi afirma que é um “dever [totalmente objetivo] utilizar contraceptivos” em algumas situações.
Por consequência, a conferência do padre Chiodi contém, além da sua aberta recusa do ensinamento da Igreja sobre a contracepção apresentado na Humanae Vitae, desastrosos erros filosóficos gerais que foram rejeitados de forma magisterial e firme pelo Papa João Paulo II na Veritatis Splendor. Resta apenas esperar que o Papa Francisco, o Arcebispo Paglia e a maioria dos membros da Pontifícia Academia para a Vida peçam ao padre Chiodi que retire esses erros graves ou que apresente imediatamente a sua demissão como membro de tão ilustre Academia, cujo fundador e pai espiritual, o Papa João Paulo II, de maneira firme e inequívoca lutou justamente contra os mesmos erros que agora propõe o padre Chiodi, condenando-os de forma definitiva.
Ademais, São João Paulo II fundou a Pontifícia Academia para a Vida precisamente para explicar e defender as verdades que Chiodi nega. (Como membro ordinário da Pontifícia Academia para a Vida, por muito tempo, antes da reforma introduzida pelo Papa Francisco, em 2016, tive que jurar que nunca negaria essas verdades, e só posso sentir uma profunda tristeza pela traição contra a Academia, muito querida por João Paulo II, caso os pontos de vista de Chiodi não sejam retratados por ele, pela Academia ou pelo Papa Francisco).
A verdade ética e a mentira deste proporcionalismo são questões que não só dizem respeito à fé católica, mas também são reconhecidas pela razão humana. Foram defendidas com vigor pelos grandes filósofos pagãos Sócrates, Platão e Cícero, e são atualmente defendidas por membros de outras religiões, alguns dos quais, membros da nova Academia João Paulo II para a Vida Humana e a Família, que continua, sem ambiguidades, o seu serviço em favor das grandes verdades e objetivos fundacionais da Pontifícia Academia para a Vida.
NOTAS.
[1] Cf. [ https://onepeterfive.com/professor-seifert-comments-fr-chiodis-re-reading-humanae-vitae/ ].