Mc 10, 28-52
Era inverno e Jesus andava pelo Templo, sob o pórtico de Salomão. Os escribas e os fariseus sentiam-se incomodados, pois Jesus pregava e fazia muitos milagres em nome de Deus, atraindo multidões, sem observar, às vezes, a Torá, nas prescrições humanas da Lei Mosaica. Então, perguntaram a Jesus: "Até quando nos manterás em suspenso? Se tu és o Cristo, dize-nos abertamente."
Por que esta pergunta? Porque naquela época a expectativa maior dos judeus era a vinda do Messias, esperado com ansiedade face ao jugo romano. Eles sentiam que algo estava por acontecer. E já haviam lapidado, apedrejado vários impostores, que no passado se proclamaram o Messias. Jesus não foi, então, o único a assim se apresentar, mas o verdadeiro. Portanto, aquela pergunta tinha seu propósito.
Àquela dúvida, Jesus responde: "Já vo-lo disse, mas não acreditais. As obras que faço em nome de meu Pai dão testemunho de mim; mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas. Minhas ovelhas escutam a minha voz, Eu as conheço e elas me seguem; Eu lhes dou a vida eterna e elas jamais perecerão, e ninguém as arrebatará de minha mão. Meu Pai, que me deu tudo, é maior que todos e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai. Eu e o Pai somos um."
Com estas palavras, Jesus diz que Deus lhe deu aquelas ovelhas e que ninguém as arrancará de Sua mão, nem Satanás. Aquelas ovelhas O conhecem; mas existem as que não O conhecem, estas o Diabo leva. Uma das coisas mais hierárquicas que existe na espiritualidade, na fé em Deus, é o próprio Deus. Deus é, também, hierarquia, Deus escolhe por vontade própria. Mesmo diante do nosso livre-arbítrio, da liberdade de agir, mas já antevendo o nosso querer, a nossa opção entre o bem e o mal, entre o que concorre para a vida plena numa perspectiva eterna e aquilo que se coloca em oposição, Deus faz uma seleção, uma escolha e elege aqueles que serão do Seu redil, que herdarão o Seu Reino. Nós fomos escolhidos por Deus, no Seu tempo.
Estas ovelhas foram dadas a Jesus e as outras não. Este é um dos mistérios da divindade, sobre o qual tudo caminha. Deus nos dá toda liberdade, mas em Sua mente divina tudo sabe, tudo está pronto. Ele conhece toda a trajetória da humanidade, do início ao fim. Por isso se diz que o passado, o presente e o futuro estão diante de Seus olhos.
Isto, porém, não significa que Deus imponha a cada um o seu destino, que estaria predeterminado por Ele – o determinismo – pois estaria assim negando totalmente o livre-arbítrio que criou e sendo injusto para com estes. Mas nós é que fazemos a escolha, ao acolhermos ou não a Sua proposta, enquanto Ele apenas a antevê.
Por isso Jesus diz: "As obras que faço em nome de meu Pai dão testemunho de mim; mas vós não credes…" Não querem acreditar.
Há uma questão que precisa ser esclarecida. Os judeus foram um povo escolhido?
A escolha do povo judeu se explica quando se fala em honrar a presença do Messias. Só isto. Uma coisa é ser escolhido para receber o Messias, outra é aceitá-lo, para nascer dele. O povo judeu foi escolhido para a encarnação do Verbo; mas participar do plano de Deus acolhendo o Messias é outra coisa. A encarnação do Verbo foi um plano para toda a humanidade e não somente para os judeus. De Jesus surgiu a cristandade, portanto, um povo na fé e não no sangue, como foi dito da descendência de Abraão: uma promessa que prefigurava a formação do rebanho de Deus.
Naquela resposta, Jesus quis dizer: Se vocês não creem que Eu sou o Messias, então creiam naquilo que faço. Jesus dava-lhes uma alternativa. Que pelo menos cressem por aquilo que viam. Aí está o ponto central: a nossa fé. Por ela somos ou não escolhidos.
O plano de Deus é uma das coisas mais belas e secretas. A escolha tem um grande sentido na eternidade. Era isto que Jesus lhes falava no Templo, sob o pórtico de Salomão. Falava da hierarquia de Deus. Falava sobre a escolha, sobre o Seu rebanho… Deus sabe e escolhe respeitando o nosso livre-arbítrio.
Este capítulo de João é muito místico. Ele entra, cada vez mais, no íntimo do Verbo humanado. É como um redemoinho de informações. Ele parece penetrar na mente divina, para dissecar Seu pensamento e atingir o cerne, o bojo de Seu plano de criação, onde tudo está pronto. Mostra que Deus consegue de antemão mentalizar, planejar tudo, respeitando a nossa escolha.
Os judeus tinham razão, quando quiseram apedrejar Jesus, dizendo: "Não te lapidamos por causa de uma boa obra, mas por blasfêmia, porque, sendo apenas homem, tu te fazes Deus. Jesus lhes respondeu: 'Não está escrito em vossa Lei: Eu disse: Sois deuses?'". Isto quer dizer: são aqueles que Deus escolheu para a Sua amizade. Aqui retorna novamente à questão da hierarquia. Qual o único escolhido para dar a mensagem de Deus?
A grande mensagem de Deus foi dada a Jesus. Então Ele é Deus. Quer dizer, Jesus foi cumprir um enigma das Escrituras. E quando diz: Sois deuses, promovia o Verbo encarnado. E naquele momento a grande mensagem de Deus, dada por Ele próprio, através do Filho, falava que vocês são deuses, pois Deus encarnava no meio de vocês, no ser humano. Então foi por isso que Jesus tocou naquele assunto, Ele era o único Deus, o único que poderia dar aquela mensagem. Jesus tocou naquele assunto porque queria acordar os judeus, mas nem assim adiantou. Quiseram apedrejá-lo.
João conta que Jesus se esquivou, escapou de suas mãos e foi para o outro lado do Jordão, onde o acolheram, dizendo: "João (Batista) não fez milagre algum, mas tudo o que João disse sobre este, era verdade."
Este é o Evangelho da hierarquia de Deus.
Referência: LOPES, Raymundo. O Caminhar das Igrejas Humana e Divina II: Mc 10, 28-52. In: LEMBI, Francisco (Org.). O Código Jesus. Belo Horizonte: Magnificat, 2007. p. 155.
